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⁠O’hara Raiz

Batalha do SK8

 

“O’hara é raiz, é mulher sonhadora. Não existe O’hara sem o Rap. Tá ligado?” (O’hara)

 

“Mulheres se juntem e fiquem à vontade.
O espaço que é meu, é seu na quebrada.
Nunca desista e seja sensata,
Porque o mundo tenta parar, mas aqui não para nada.
A gente vai avançar, a gente vai conquistar,
Pode até peitar, só que nunca vou desistir,
Porque as O’haras que virão
Vão estar aqui para representar”.

Muitos dizem que a habilidade de rimar é um dom que nasce com a pessoa e, se ela colar nessa ideia, pode se profissionalizar com estudo e dedicação. Foi o que aconteceu com O´hara, produtora cultural, musicista e organizadora do Batalha do Sk8, grupo que promove batalhas de rima em São Sebastião – um pioneirismo feminino nesse universo.

O´hara chegou em São Sebastião aos 13 anos, depois de morar no Pedregal-GO e no Gama-DF. As memórias de infância mais fortes vêm do convívio que teve com sua avó. “A gente amava pegar manga verde no pé, sentava num tapete e ficava comendo”, conta O´hara, revelando que sua força de hoje vem desse apoio, desde o início. “Ela foi minha maior referência. Quando todos acharam uma loucura mexer com batalha de rima, mesmo sem entender o que é era, falava: vai lá fazer seus trens. Minha avó faleceu, mas continua me inspirando e soprando baixinho: continua, estou aqui te olhando”.

 

O que é, o que é

Afinal, o que é batalha de rima? Vamos pegar carona na História e na célebre frase de Lavoisier, químico francês do século XVIII: “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Querer exatidão quanto à origem da rima é viagem perdida, pois o dom de rimar faz parte do pacote humanidade. Nesse percurso indefinido, a arte da rima passa por transformações e diferentes formatos. Contudo, é possível dizer que o modelo de duplas batalhando entre si por meio de versos cantados no flow do beat surgiu no contexto do RAP, sigla para o termo inglês Rhythm and Poetry (ritmo e poesia).

 

A primeira batalha

Quando O´hara era criança, sua mãe costumava dizer que ela nasceu para conquistar o mundo. De fato, essa conquista vem ocorrendo pela porta da cultura. O´hara fez aula de circo, balé, dança Hip Hop, estudou espanhol, inglês e compõe poesias. Com toda essa abertura, concluiu: “hum, vou ser artista!”. As estratégias para conquistar o mundo foram se revelando pouco a pouco, mas, desde cedo, O´hara percebeu que gostava de organizar e liderar. “Fui representante de turma e sempre me envolvi em projetos culturais nas escolas. Durante o Ensino Médio, em uma escola na W3 Sul, conheci uma galera que rimava. Foi quando, por volta dos 18 anos, assisti a primeira batalha”.

Claro que ela se envolveu com a produção, tirando fotos, filmando, ajudando com as redes sociais. “Se hoje organizo a batalha, é porque fiz jus”, esclarece O´hara, pontuando que as mulheres são muito reprimidas. “Não existe um motivo plausível para haver exclusão de mulheres nas batalhas. Pelo contrário, temos que ser incluídas e ocupar esses espaços”.

 

Batalha interna

O pulo da gata ou da mina, melhor dizendo, aconteceu de repente. Esse modo de agir é bem típico de quem traz o dom do improviso, como os repentistas nordestinos. Mais adiante voltamos a essa familiaridade entre o Rap e o Repente. Sem saber dizer como ou por quê, O´hara entrou em uma batalha interna e impôs um desafio a si mesma, na base do tudo ou nada. De tanto acompanhar, mas apenas no backstage, ela disse: “cara, eu vou tentar”. Era um sábado quando partiu decidida para a Batalha da Olaria. Na cabeça, um só pensamento: “se eu rimar e ganhar, vou continuar rimando; se perder, não rimo mais”.

 

Combo O´hara

“Dito e certo. Ganhei e comecei a colar toda terça-feira na pista de skate para conhecer melhor a parada e tudo foi acontecendo até assumir a organização”, explica. Essa vitória foi um divisor na vida de O´hara e de todas as O´haras que se sentiram encorajadas a seguir essa trilha. Lidar com o machismo no universo das batalhas foi um dos maiores desafios. Motivada pela avó, não recuou diante do preconceito e abriu frente para muitas outras garotas ou b-girls. “Eu era a única mina e tinha muito medo. Dali em diante, me transformei. Sou da época em que nós, mulheres, não tínhamos vaga garantida. A gente ia para o sorteio, se não fosse sorteada, não rimava”, lembra. Hoje, as mulheres têm mais liberdade e vaga garantida nas batalhas.

 

Rap e Repente

Vários estudos relacionam as semelhanças entre o Rap e o Repente. Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), o Repente é praticado desde meados do século XIX, nas áreas urbanas dos estados de Pernambuco e Paraíba. O Rap, por sua vez, nasceu no contexto do Hip Hop nas comunidades afro-americanas de bairros periféricos, em Nova York, na década de 1970. Tanto os rappers quanto os repentistas cantam suas visões de realidade por meio da rima improvisada, em duplas que fazem duelos, desafios ou batalhas, cercados de uma plateia altamente interativa.

O termo batalha é o que mais vingou entre os rappers que, como os repentistas, têm a característica de dominar a cena, seja em praças ou pistas de skate, como faz o Batalha SK8. Os temas ou motes costumam abordar o preconceito racial, a desigualdade e a pobreza, mas não faltam versos divertidos sobre assuntos interessantes e atuais – depende da criatividade do MC (Mestre de Cerimônia) e do tipo de batalha, pois há uma enorme variedade.

 

Batalha dentro de batalha

Vencida boa parte do preconceito inicial, O´hara entende que o corre continua e os desafios se renovam. “Hoje preciso manter a saúde mental para focar nas batalhas e conciliar com outros trabalhos”. Organizar os eventos do Batalha do SK8 é uma tarefa exigente: “a média de público é de 30 a 50 pessoas. Antes, eu colava, rimava, ia embora. Agora, sou a primeira a chegar e a última a sair. Na verdade, conto com a ajuda da Mari, skatista, mestre de cerimônia e também organizadora do SK8, que me resgatou em um momento de quase desistência. Passamos a unir nossas forças para fazer o movimento de uma forma mais leve. A surpresa da galera quando vê duas minas por trás da Batalha do SK8 é algo forte. Ninguém nunca imaginou isso sete anos atrás”.

 

Valores, alegrias e sonhos

Respeito e humildade não podem faltar. Segundo O´hara, esses dois pilares nos ensinam a chegar e a sair de qualquer lugar. “Humildade para não se deslumbrar, não esquecer de sua essência, do lugar de onde veio e para lembrar que as dores e dificuldades fizeram a gente ser o que é hoje. Quando um MC está rimando, esse é o momento dele se expressar e merece respeito. É o seu sonho. Poder colaborar com o sonho de alguém é bom demais!”.

Uma grande e recente alegria para o Batalha do SK8 ocorreu em 2023, ao receberem uma moção da Câmara pela atuação cultural no DF. “Também fomos selecionadas em um edital. Um amigo me contou do resultado e nem acreditei. Estava trabalhando e fiquei tão feliz que parei a empresa para contar a notícia. A mensagem por trás desses prêmios é que está valendo a pena. Receber abraços, beijos e parabéns nos alegra e são estímulos para continuar. Você se surpreende com o tanto que você é grande, sabe!? Não dá mais para desistir”. Com o fomento da cultura por meio das batalhas, O´hara pretende dar mais visibilidade a São Sebastião: “quero que minha voz seja ouvida em ambientes culturais divulgando batalhas de rima ou no meio da cena passando minha visão como MC”.

 

Ter opinião e marcar posição

“Ter posicionamento na vida é fundamental. Se a pessoa não marca posição, fica em cima do muro. Temos que ter opinião, estudar para explicar essa opinião e respeitar a do outro. Saber o que defender ou não. Se você quer uma parada na vida, tem que se posicionar e falar”, diz O´hara, claramente inspirada pelo apoio da avó. “Por mais distante que pareça seu sonho, tenha fé e acredite. Você é o único responsável por seu sonho. Se acredita nele, vá atrás todos os dias até conseguir. Ninguém pode te falar que não vai conseguir ”.

Receber salves e pedidos para continuar descendo pro play, como reza a gíria das batalhas, é comum na rotina de O´hara. Incentivar quem está ao seu lado, também é comum em sua trajetória. “Mano Skayler, por exemplo, do Itapoã, me agradece até hoje. Eu o arrastava para as batalhas e agora rima pra caramba”.

 

Recado para novas O’haras

O movimento da Batalha do SK8 acontece uma vez por semana, toda terça-feira, na pista de skate de São Sebastião. “É tudo 0800, não importa a idade, é só colar. Os MCs chegam mais cedo para garantir o nome na lista, porque são 16 MCs, em média. Mas colocou o nome na lista, está dentro. Quando tem edição especial de dupla, a batalha é fechada, pois são artistas confirmados daqui da quebrada e de fora também. Aí a gente leva nossa estrutura de som pra fazer uma edição bem bonita. Nosso Instagram @batalhadosk tem cards diários informando a programação”.

Para as novas O’haras, ela deixa um recado: “não desistam, batam no peito e sigam em frente sem medo, porque o medo só faz recuar. Somos mulheres fortes em São Sebastião e criamos espaço para mostrar a nossa cultura, a nossa arte, para sermos reconhecidas e juntas mudarmos o mundo”.

 

A trilha é para frente

A MC O´hara conta que já participou de batalhas de rima em Samambaia, Gama, Pedregal, mas a Batalha SK8 não saiu de São Sebastião. “Nas reuniões da Câmara, vou representando o grupo. Se eu for rimar em outro lugar, sempre digo que sou de tal quebrada. É assim quando vem galera de fora; cola aqui e o irmão já fala: eu sou de tal lugar”. O´hara enfatiza o quanto é importante ocupar cargos na sociedade, nos conselhos, nas administrações, em todos os lugares possíveis. “Nossa voz é muito potente, mesmo que alguém tente nos rebaixar. Você até pode recuar duas casas, mas só se for para avançar três”, conclui a MC pioneira de São Sebas.

 

Batalha do Sk8

Atividade principal: Batalha de Rimas

Uma das organizadoras: O’hara Raiz

Endereço: Pista de Skate de São Sebastião

Batalha de Rimas: Terças às 19h30

Email: oharavitara@gmail.com