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Alessandra Lobo

Chicarimbó

 
“A primeira pergunta que as meninas fazem é sobre a saia. Querem vestir, tirar foto, dar um giro…é como se a saia trouxesse liberdade”. (Alessandra)

 

Alessandra não imaginava que traria um pedaço do Pará para o Distrito Federal quando seu pai foi transferido de Belém para Brasília, em 1997. No coração ela sabia sim, pois amor de infância é amor para sempre. A surpresa foi descobrir que, em 2022, como professora de Educação Física do Centro Educacional São Francisco – o conhecido Chicão, ela se tornaria embaixadora do carimbó no Planalto Central com o grupo Chicarimbó, formado por alunas do Ensino Médio.

É impossível isolar apenas um elemento e dizer que foi ali que o Chicarimbó começou. Até porque o carimbó é assim também, uma mescla de ritmos indígenas e africanos com um leve toque caribenho. De qualquer forma, tentativas de explicar com teorias o rebolado do carimbó paraense serão sempre vãs. O melhor é pegar uma saia de chita e entrar para a roda. Foi o que Alessandra fez quando chamou as meninas do Chicão para dançar carimbó.

 

Vem para a roda

“Um dia, a escola recebeu um grupo de senhoras para uma apresentação de carimbó”, ela conta. “Vê-las dançando despertou em mim a ideia do Chicarimbó e pensei: por que não?! Falei para o gestor na época: ano que vem a gente começa. E em 2022, começamos. Fomos nos aperfeiçoando e hoje as meninas dançam maravilhosamente bem, do meu ponto de vista, né?”, diz sorrindo.

Nesse mesmo ano, Saúde e Movimento entrou como disciplina eletiva no currículo do Ensino Médio, com a proposta de socializar por meio de atividades físicas. “A turma era tão grande que dividi e fiz o convite do carimbó. A maioria dos meninos optou pelo futsal e as meninas abraçaram o carimbó. Várias estão no grupo até hoje e agradeço: gente, obrigada por abraçar um amor meu! Vê-las dançar com tanta alegria faz com que eu me sinta aquela Alessandra adolescente feliz lá em Belém, no carimbó com os amigos. É o gostinho da terra da gente que vem à tona, do açaí com peixe e camarão”, revela Alessandra, realizada com o que faz.

 

Carimbó na veia

Tentando rastrear a raiz desse início, temos que voltar para essa Alessandra criança e adolescente. “A minha escola, em Belém, ofertava aulas de dança e percussão, após o horário normal. Eu dançava em um grupo folclórico e o carimbó é super comum no Pará. Faz parte da nossa cultura, como o tacacá, a maniçoba e o açaí. Lá, quando a gente vai almoçar, tem um garrafão de açaí, tapioquinha e, no fundo, os carimbós da vida. Posso dizer que cresci ouvindo Dona Onete, Lia Sofia, Joelma – a realeza do carimbó. Até hoje lembro da tia Áurea e tio Bruno, nossos mestres. Trago no coração esses amigos maravilhosos”, diz a mestra Alessandra.

Essa união vivida por Alessandra se irradia em cada ponto de sua coreografia. “Trouxe esse projeto para a escola pensando em unir as meninas. Sempre digo que precisamos construir a dança juntas. Estudo as músicas que trazem, avalio cada ponto, peço sugestões e faço uma proposta de movimento. Se conseguirem executar, o movimento fica. Vejam a coreografia da música Curió do Bico Doce, por exemplo. A maior parte foi a Joyce quem fez, provando sua autonomia para voar sozinha quando quiser. Tenho plena certeza de que ela consegue montar grupos e levar o carimbó adiante”, assegura.

 

Voando sozinhas

Joyce está no Chicarimbó desde o primeiro ano. Dançou em várias posições e hoje ocupa a central. A professora coruja não cansa de dizer que o mérito é inteirinho dela, por sua dedicação e tudo que aprendeu. “Sinto que ela gosta de ensinar e digo que, se formos convidadas para algum projeto, será a professora. Tem coreografia que ela sabe mais do que eu”, admite.

“Se depender delas, a gente teria ensaio todo dia, mas reservo dois – terças e quintas à tarde. Às vezes, surgem probleminhas do tipo uma querer ser melhor que outra, mas a gente vai conversando sobre empatia e respeito ao ritmo de cada uma, sobre se unir e se abraçar. São muitas as questões que trabalhamos com a dança”. Os sorrisos e as saias rodando no ritmo paraense fazem a satisfação da dedicada professora. “Ficam um pouquinho nervosas, mas digo: tem que sorrir e passar a energia de vocês. Essa é a minha intenção quando estiverem dançando por aí”.

 

Roda amiga

Alessandra nos fala sobre a saia de chita e traz uma que foi feita por sua tia em Belém. “Ela tem 67 anos e faz parte de um grupo de carimbó. É algo que vai de geração para geração. Hoje, minhas alunas têm de 15 a 17 anos, mas sei que essa memória afetiva vai ficar para a vida inteira”. Sem dúvida, a saia girando em uma roda é um poderoso arquétipo feminino. O círculo que une e irmana as diferenças faz com que as meninas confiem na mestra: “Elas me contam os causos de suas vidas e o que espero é que consigam transmitir, enquanto dançam, a alegria, a suavidade e a força da mulher”.

 

Beleza negra

O Chicarimbó cria uma coreografia nova todos os anos. “No segundo semestre, a gente monta uma dança especial para o Dia da Consciência Negra. Explico que a origem do carimbó é indígena, africana e um pouquinho lusitana, mas a base forte mesmo são as culturas indígena e africana”. A Inara é outra dançarina da linha de frente do Chicarimbó. “Quando dançamos lá na São Paulo, em 2022, foi destaque no Dia da Consciência Negra. Várias meninas negras tiraram foto e lhe pediram autógrafo, deixando-a um pouco intimidada. Falei que ela era exemplo e inspiração. De posse da descoberta, lá foi Inara mostrando toda sua beleza”.

 

É na palma, é no couro!

O Chicarimbó existe há quase três anos e é cada vez mais popular. Embora aceite convites para dançar em eventos fora da escola, as aulas são restritas às alunas. “As pessoas da comunidade perguntam se podem participar, mas, infelizmente não é possível. É uma atividade do currículo e não posso liberar. Depois de uma apresentação no Parque do Bosque e no podcast do Crixás, a visualização tem sido grande. As novas alunas já chegam querendo dançar carimbó. Fico lisonjeada”, confessa Alessandra.

“Na primeira aula, procuro fazer com que sintam a história, o ritmo e o rebolado do carimbó: esse passo aqui, de onde vem? Quem é que faz assim? Então, pensam e fazem as conexões”, conta Alessandra. “Insisto que não podem deixar de lado os estudos: se vocês forem entrevistadas, têm que saber o que falar. Graças a Deus, todas são responsáveis e estudam direitinho”.

 

Carimbó festeja a vida

Para melhor expressar o quanto o carimbó pode deixar o mundo mais feliz, Alessandra cita uma frase da coreógrafa Martha Graham (1894-1991), bem conhecida entre dançarinos: “A dança é a linguagem escondida da alma”. Se os olhos são a janela da alma, o ato de dançar é fazer a alma festejar a vida. “Resgatar a nossa cultura regional enquanto espalhamos alegria é, para mim, uma realização pessoal e profissional”, observa Alessandra.

 

O próximo passo

“Se tiver um cachê para as apresentações, é todo delas. É bom perceberem desde cedo que trabalhar com o que a gente gosta pode ser sustentável; que se investirem na arte e na cultura com estudo e aprofundamento, o retorno vem com certeza. Quando a gente ouve os aplausos, costumo dizer: estão vendo?! Elas se sentem valorizadas, com a autoestima fortalecida. Meu sonho é que possam contar com o apoio de líderes e gestores escolares para divulgar nosso carimbó”, conclui.

Alessandra plantou essa importante semente ao trazer o carimbó para o currículo escolar. É uma valorização da cultura regional que só terá continuidade se as saias continuarem a rodar.

Chicarimbó 

Atividade principal: Grupo de carimbó (dança folclórica) formado por mulheres do Centro Educacional São Francisco (Chicão).

Idealizadora: Alessandra Lobo

Endereço: Quadra 17, lote 100. São Francisco

Ensaios: terças e quintas à tarde

E-mail: alelp81@gmail.com